Monday, October 01, 2007

BANHO, MANIA DE BRASILEIRO

BANHO, MANIA DE BRASILEIRO


Wanderlino Arruda


O Padre Aderbal Murta conta que o reitor da Universidade de Louvain, na Bélgica, não ficou nada satisfeito quando os seminaristas brasileiros, que iam chegando por lá, começaram a pedir um banheiro, um pequeno cômodo no grande conjunto de edifícios, algo que eles consideravam necessário e muito importante. Isso mesmo, um banheiro, um local onde se lavar de pé e cabeça, receber água vindo de cima, passar sabonete, enxaguar o corpo, enxugar, depois, com toalha felpuda. Não o banho de bacia, de sopapo, como diria o meu amigo Nô Barrão. Banho mesmo, de chuveiro, com água morna, não pelando, nem fria, que ninguém é de ferro. Essa exigência, disseram os administradores, era coisa de estudante subdesenvolvido, tinha que vir de brasileiros, sujeitinhos metidos a besta! Banho na Bélgica, até então, era banho de luva, de esponja, apenas esfregando, sem correr água, sem molhar o chão. . .
Pois bem! Agora, leio na revista BRASIL ROTARIO interessante comentário de Derli Antônio Bernardi, de Maringá, dizendo de quando tomar banho era pecado e dava até cadeia. Quanta curiosidade! Tinham perdido a sabedoria árabe, segundo a qual "a água e o mais eficiente de todos os remédios e o melhor de todos os cosméticos". Tinham perdido a experiência egípcia de quando se tomava banho em tinas de ouro, e, da Grécia, quando o palácio do Rei Minos possuía a mais espetacular banheira da antigüidade, decorada com mármore e pedras preciosas. Tinham se esquecido da tradição banhista de Roma, quando os banheiros eram tão grã-finos que havia vinte e cinco qualidades diferentes de banhos — com óleos, vapores, ervas, essências, etc. — e havia ao lado deles galerias de arte, teatros e templos dedicados aos deuses.
Os bárbaros, quando invadiram a Europa, pobres coitados, culparam os banhos coletivos pela decadência romana. Aproveita- ram a guerra e destruíram todos os banheiros públicos e particulares, varrendo, por quase mil anos, o higiênico e gostoso costume, fazendo praticamente desaparecer a palavra banho. O tempo corre, não para, e, na Idade Média, os livros de etiqueta recomendam apenas lavar as mãos antes das refeições, o que não é de se admirar, porque naquele tempo ainda não havia talheres, era tudo na base do capitão.
Coisa estranha, a Rainha Isabel de Castella não fazia segredo de quantos banhos havia tomado durante toda a sua vida: apenas dois, um ao nascer e outro ao se casar, para ficar cheirosa para o real consorte, no primeiro dia de lua-de-mel. Por mais incrível que pareça, também a religião contribuiu grandemente para o declínio da popularidade do hábito de banhar. São Gregório proibiu os banhos aos sábados "principalmente se a finalidade fosse higiênica". Houve até uma lei permitindo o banho apenas às terças-feiras. Banhar-se era pecado, luxúria, um gosto muito mundano, um zelo excessivo com o corpo, ora pois!
Foi em torno do ano de 1800 que, na Inglaterra, apareceu uma casa de banho à moda turca, com freqüência permitida apenas para homens e cortesãs, hermeticamente fechada às mulheres de família, porque indigna da gente seria do belo sexo. Na França, ao tempo de Napoleão, houve maior liberalidade e até apareceu uma nova profissão, a dos banhadores, que saíam, de casa em casa, carregando tinas para lavar a suja nobreza. Na América colonial, os puritanos consideravam banhos e sabonetes coisas impuras, chegando ao ponto de, na Filadélfia, quem tomasse mais de um banho por mês, tinha de ser condenado à cadeia por desrespeito aos bons costumes. A primeira casa de banhos publica de Nova York veio aparecer em 1852, mas só regulamentada por comissão especial em 1913.
Banho farto, diário, de mais de uma vez por dia é mesmo coisa de brasileiro. E não e devidamente por dois terços da nossa raça, a africana e a portuguesa, que também não era lá de muita água. Devemos a tradição aos ancestrais do sangue tupi e guarani, nossos índios que apreciavam e muito as brincadeiras e os mergulhos nos rios e nas praias, principalmente nos dias de maior calor, pois divertimento maior não poderia haver! Como disse: banho, mania de brasileiro...


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RUAS DE LISBOA


RUAS DE LISBOA

Wanderlino Arruda

Não creio que exista outra cidade no mundo com ruas de nomes mais engraçados do que as de Lisboa. Parece que os portugueses que viveram mais perto de El-rei tinham mais aguçada a imaginação, eram mais românticos ou, então, queriam uma notoriedade pelo lado alegre da vida. Os lisboetas, lisbonenses ou ulissiponenses, conforme o grau de erudição, ou simplesmente alfacinhas, conforme o grau de intimidade, foram sempre uma gente bem disposta, cheia de vida, vaidosa por sua cidade. Chamam Roma de cidade eterna, mas eu acho que Lisboa é que é cidade de nunca se esquecer. Ninguém passa pela capital portuguesa como um simples passageiro. Lisboa é terra para uma saudade de vida inteira, finda, aconchegante, educada, cheia de cultura, inteligência e arte em cada rua, cada beco, nos largos, nas praças, nas ladeiras, nos terreiros em vielas ou avenidas, no morro do Castelo ou na beira do Tejo!
Eterna menina moça, noiva e namorada, Lisboa tem a mágica de uma lembrança de muitos séculos de história, o encanto das descrições literárias de Eça, de Herculano, de Castilho e até do nosso saudoso David Nasser, que tanto amou o que ele chamava de "Portugal, meu avôzinho". se Lisboa fosse brasileira, poderíamos dizê-la um doce-de-coco, cujo tempero de cravo e canela parece chegar mais ao nosso coração! E se o visitante tem mesmo muito amor, como 6 sentimental descobri-la, percorrê-la de ponta a ponta, vivê-la com carinho e sofreguidão! Apaixonada como Lisboa, talvez sã a nossa Salvador, cidade de todos os santos. Bonita, é possível que sã o Rio de Janeiro. Aconchegante, quem sabe só Fortaleza ou Maceió! Lisboa muito tem de Manaus, de Porto Alegre, de Belo Horizonte, de Curitiba! Faceira, movimentada, antiga e moderna ao mesmo tempo!
O gostoso é que Lisboa nunca perde seu encanto, com velhos elevadores, velhas igrejas, o casario de telhados vermelhos em Al¬fama, a beira do Tejo, rio mar com brancas gaivotas, a historia viva nas paredes de pedras do romano castelo de São João, o Rossio, o Chiado, o bondinho valente da Graça, as cegonhas do Sete Rios, os vendedores de rua, as raparigas de chales negros, as feireiras de salto alto e vistosos brincos de ouro, o Bairro Alto, o som do fado! Encanto em todos os cantos!
Mas o mais gostoso em Lisboa são os nomes das ruas ou de todos os lugares por onde passam as gentes, por onde a gente passa. Ninguém pode deles esquecer: Beco da Amorosa, Largo das Garridas, Poço dos Negros, Pátio do Albergue das Crianças Abandonadas, A Calçadinha de São Miguel, Beco do Pocinho, Rua das Escolas Gerais, Rua da Fresca, Rua da Bempostinha, Quinta do Espião, Pátio do Joaquim Polícia, Pátio das Malucas, Travessa do Pinto, Quinta da Argolinha, Rua da Horta Nova, Travessa do Vintém das Escolas, Pátio do Ferro de Engomar, Travessa do Pau-de¬ferro, Azinhaga da Bruxa... Tudo um amor!
Tem mais, tem muito mais: Pátio da Fartura, Rua da Cozinha Econômica, Rua da Horta das Tripas, Rua Joaquim Leiteiro, Bairro das Galinheiras, Beco da Bicha, Largo do Chafariz de Dentro, Beco do Pocinho, Rua do Benformoso, Vila do Penteado, Rua do Alfredo Pimenta, Largo da Bomba, Beco dos Surradores, Travessia da Zebra, Vila do Cabaço, Rua do Saco, Travessa da Rabicha, Rua da Buraca, Rua dos Bons Dias, Pátio da Mariana Vapor. Cinco são as ruas chamadas Direita, uma rua chamada Esquerda, Rua da Pátria, Rua do Ouro, Terreiro do Paço Quanta fartura de ruas com nomes de santos, só de Santo Antônio, quase cinqüenta!
Existem até a Travessa dos Prazeres, a Rua da Triste Feia e a Praça da Alegria! Não sei quando, mas ainda vou vê-las de novo!



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MEU PAI JOSÉ ARRUDA

MEU PAI JOSÉ ARRUDA

Wanderlino Arruda

Faço contas nos minutos e horas da minha vida, revejo esmaecidas ou vivas imagens, tento magnificar pequenos acontecimentos e, pronto, a figura de José Arruda, meu pai, se põe sonora e colorida à minha frente. Convivência de várias décadas, disciplina rígida no início, amenos conselhos em meio e fim de vida, sempre marcante influência. Mais do que tudo um rigoroso exemplo de honestidade a qualquer tempo, seja em temporada de quase opulência, seja nas dobras do passar de tempos em adversidade. Era um viajante faminto de estradas, sempre saindo e chegando: a cavalo, em fordinhos, em caminhonetes e caminhões, em velhas jardineiras ou em ônibus já quase modernos.

Lembranças mais antigas? Ele com um bule esmaltado azul, despejando o café num copo grandão, também esmaltado e de asa. Com o café, comia alegremente biscoito fofão, rosca caseira e o cuscuz que Silvina tinha de levantar bem cedo para fazer. Nos dias de frio ou de chuva, saia do quarto já com uma capa colonial pesadona, tão comprida que passava dos joelhos. Aos sábados, atrás do balcão da loja sortida de tudo, atendia os fregueses, vestindo um casaco de pijama, que achava a coisa mais chique do mundo. Lembro-me até da cor, um cinza esverdeado com desenhos em relevo, um bolso para caneta e lapis e dois outros para as tesouras. Nem no horário do almoço parava de vender. De cada amigo que atendia havia estórias para ouvir e contar. Aprendi ali as minhas primeiras lições de vida. Como morávamos em frente ao mercado, dava para ver até o fim da tarde, a feira cheia de carros de bois e de cavalos com cangalhas sem bruacas, segundo diziam a mais rica da região.

Homem em tudo avançado no tempo, minerador de pedras e pepitas de ouro nos garimpos da redondeza, descobria também todas as novidades que São João do Paraíso nem podia sonhar. Já em 1938, meu pai tinha máquina de escrever, geladeira a querozene, lampião Aladin, aparelhos de gilete, uísque Cavalo Branco, casemira Aurora, camisa de colarinho trubenizado, barbeadores com gilete já cortando dos dois lados. Quando de folga, lia em voz alta um livro de geografia com perguntas e respostas e ouvia um radio de bateria, que fazia mais ruído que um noite de tempestade. Em quarenta e dois, quando fui para a escola do professor Rolla, todo o meu material escolar, inclusive a ardósia, era importado, com o “made in Germany” ou “made in England” me dando agradável sensação de importância, compensando até a minha pouca habilidade no mergulho no rio e nas bolinhas de gude.

Claro que as invenções do senhor José Arruda não ficavam só nos objetos de consumo e exibição. Era comprador e vendedor de peças de ouro, pedras preciosas, moedas, velhos relógios de parede, desenhos de nanquim, todo tipo de relíquias e quinquilharias, incluindo aí punhais de bronze e de prata. Foi minucioso o seu planejamento e realização da nossa primeira viagem de turismo: preparou, com absoluto conforto e decoração, um enorme carro de bois, com um guia andando a pé, que nos levou – ele, minha mãe, Nair, Derci e eu – para uma visita a Condeúba, na Bahia, onde ficamos hospedados numa casa de três moças muito bonitas e de fino trato. Foi lá que minhas irmãs e eu experimentamos pela primeira vez o gosto de azeitona e leite condensado… Pelo menos duas vezes por ano, fazíamos viagens às fazendas dos velhos Vicente Arruda e João Morais, quando nossas avós Senhorinha e Ritinha se desdobravam em ordens para o capricho das cozinheiras no fogão a lenha e no forno. Para as visitas a melhor galinha ao molho pardo e o melhor bolo de farinha de trigo ou de mandioca puba, coco ralado por cima.

Quando moramos em Coqueiros, foi grande a sua luta para que eu aprendesse a tocar cavaquinho. Chegou a contratar um professor particular com várias horas de aula por dia. Mas não passei da primeira posição, aquela em que a gente firma as cordas com os dedos da mão esquerda e sacode os da direita para tirar os sons do “besta-é-tu”. Valeu, porque aprendi o do, ré, mi, fá, sol, lá, si, tornando-me quase um intelectual em música. Foi voltando de Coqueiros para o São João, em 1941, que vimos e ouvimos passar o primeiro avião, um barulho de assombrar todo tipo de viventes. A notícia que correu depois é que haviam morrido duas pessoas: um rapaz correndo de medo, caiu numa cisterna, e uma velhinha que, assando biscoitos, resolveu se esconder dentro do forno em brasa. Duas vítimas do progresso dos tempos de guerra…

Agradeço muito a meu pai por todo tempo de convivência direta e indireta: das jabuticabeiras que ele arrematava para a gente chupar jabuticabas até fica entupidos, dos balaios de marmelo maduros e cheirosos que trazia das viagens ou comprava na feira, das casas com quintais grandes que ele comprava para vivermos divertindo. Agradeço mais ainda dos seus sonhos de conhecer mundos distantes, tão bem transmitidos aos filhos que hoje realizam o que ele não pôde realizar!

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